sábado, 5 de janeiro de 2008

Do ano novo ao fim do mundo metafórico.

Ano novo e trá-lá-lá...
Normalmente as pessoas ainda se encontram sob efeito explosivo do balanço espontâneo de suas vidas, que se inicia ao findar-se o ano anterior. Esse parece ser um momento de cheiro misto, de velho e de novo, de arrependimento e coragem, de medo e dúvida. Uma transição, talvez, do que poderíamos ter sido e da visibilidade do que não fomos, um certo tipo de mal-estar relacionado ao que teríamos realizado se não houvesse a escuridão inerente aos infinitos caminhos de possibilidades labirínticas. Contudo, há de tudo - aqueles que lamentam demais o que fizeram ou o que deixaram de fazer; aqueles que nem se dão ao trabalho de se importar com o ano que passou, mas fazem alguns projetos; aqueles que ficam aprisionados na sua existência monótona e não vislumbram qualquer forma de transformação; aqueles que tiveram um ano chocante e não há como não sair dele novas pessoas, até obrigados a se tornarem outros, melhores pessoas, pessoas maiores - otimista que sou. Por aí vai. Como cada vez sei menos e duvido mais, isso tudo é confuso para mim no sentido de que não me é totalmente claro aquilo que faz parte de mim mesmo e aquilo que devo "esforçar-me" para mudar ou que é efêmero em meu existir "presente", ou seja, não é tarefa nada fácil delinear as coisas que são um mero adendo, um suporte auxiliar para a existência que levo e a própria existência em si. Não hierarquizando a importância dos dois elementos, sinceramente, prefiro essa confusão à certeza de quem eu sou ou serei. No limite, isso nada mais representa do que todo o prisma do devir no instante, no respiro. Não fôssemos quadrados cartesianos, conseguiríamos viver melhor desconsiderando nossas vidas como uma sucessão de intervalos temporais, causas de efeitos de causas de seus efeitos, causas que não são causas, mas símbolos, de defeitos tão gigantes, abismos de vazios ruins, que é o sentimento de cheio, de fixo, de eterno burro. Não fôssemos frutos do espírito de uma forma de razão e verdade vigentes, talvez seríamos capazes de sentir instantes eternos e lidar melhor com a possibilidade paradoxal da morte de um deles e com o ato criador - quase bruxaria, senão bruxaria - de novos deles, de pulso mais vermelho e sabor mais natural.
Mais desfazer-nos do que agora somos do que nos orgulharmos de quem nos tornamos me soa fundamental nesse processo libertário. Parece que a tão famosa auto-confiança, a verdadeira, só pode se manifestar a partir dessa dissolução de nós. E, novamente, ela é silenciosa. Esse auto-confiante real não fala de sua segurança. Se fala, ele já se fez inseguro a si, de si, para si mesmo no próprio ato de mostrar orgulhosamente sua fortaleza ao mundo. É uma coisa simples que esse mesmo mundo, que ainda vive como moderno, precisa aprender: que dúvidas estão mais na esfera do vir-a-ser do potencial sábio da condição humana do que relacionadas à da insegurança torpe, a eterna burra. Um brinde de sangue: eis o nascimento da mentira: você me mostra que não é inseguro fingindo que sabe o que não sabe. Da mentira, surge a guerra (qualquer guerra, mesmo as privadas): "eu não sei, mas vou fingir que sei, mesmo se tiver de jogar uma bomba na sua cabeça". Da guerra, surge algo surpreendentemente mais bizarro, a justificativa da guerra pela mentira que torna verdadeira a mentira originária. Aí, meus caros amigos, inventaram o Apocalipse (não somente o bíblico). Assim, em geral, as pessoas sempre poderão projetar a redenção de suas culpas para um momento nebuloso. Vai ter um perdãozinho básico no fim mesmo. Vai não?

Um comentário:

Anônimo disse...

brilhante,
Chiuffa.

R.: Não.

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