sábado, 12 de janeiro de 2008

À vida das pequenas coisas.

Estávamos Rebecca, Vivi, Camila e eu. Lilian infelizmente faltante.
Falávamos. Falamos. Ouvi com meu olhar de lado, de falsa distração. Prestava atenção em tudo, na verdade. Em cada palavra, gesto, reação, sensação, cheiro, movimento, forma, intensidade, [...].
Tudo seria assunto para horas, como bem disse uma das participantes do fenômeno daquele instante - Camila. Pensei comigo mesmo se aquilo tudo deveria levar horas por ser mesmo a respeito de um tema muito complexo ou por simplesmente o fato de toda aquela abrangência demandar momentos de silêncio reflexivo, intervalos supra-temporais de escuta. Não importa realmente. Talvez essas duas coisas só possam existir se amalgamadas em suas próprias cores, intercaladas em seus degradês mistos.
Falei uma coisa, então, que me pareceu ridícula num primeiro momento.
Disse que a parede tinha vida.

Foi um grande desafio suportar essa afirmação para mim mesmo, já que o que desencadeou minha sentença era de natureza pré-consciente. Ela surgiu de algum lugar longínqüo e não havia nenhuma forma estrutural dentro de mim que pudesse legimitá-la como algo passível de ser compartilhado naquele momento. Não me importo se consegui fazer isso à mesa, já que minhas companheiras sabiam que, se eu não fosse capaz daquela sustentação naquele momento, a coisa tenderia a retornar para ser manifestada num outro, na hora exatamente certa. E com a dosagem caótica de especulação na exata medida de sua intenção própria, coisa que é impossível de controlar. Somos instrumentos das idéias, não seus donos e soberanos. Somos passagem. Até paisagem, de certa forma. Penso e não sei.

Percebi então, somente no caminho de casa, que a coisa ridícula poderia não ser tão ridícula assim. Aliás, nem um pouco nessa direção. Tal coisa queria criar em mim seu próprio sentido. E eu me submeti prazerosamente à sua auto-construção. Entreguei-me ao ato do pensar que talvez a condição para que tudo exista como palpável ou somente compreensível, que seja, é de que esse tudo tenha alguma vida. Vida. Relacionei a dificuldade desse momento, então, à verdade moderna da ciência grudada em nossas mentes, que disse que tudo que é vívido tem um sistema orgânico minimamente complexo. Percebi que essa sempre havia sido uma questão que eu nunca engoli em minha formação. Porque tudo aquilo com que e com quem seja possível que nos relacionemos é o sentimento maior da própria vida. Ou seja, só é possível que consigamos ter um caminho para que nos tornemos que nós somos (!) se todos os nossos sentidos estiverem atentos às experiências que acumulam a historicidade de nossa alma. E não consigo pensar em algo que seja mais vivo.
Eu digo que a parede, para mim, tem vida, sim. Tudo que existe é fruto de algo como um pó de existência, pó cósmico que se renova em cada destruição e construção no tempo. O mesmo pó da misteriosa criação, do nebuloso início que nossa valorizada capacidade é incapaz de desvendar. Enquanto isso, a ciência vive de modelos funcionais e em busca da lei infalível que integre todas as coisas e decodifique o mistério que é ter vida. O que é, novamente, um paradoxo, porque a vida em si é falível, múltipla, possibilisticamente infinita. Enfim, a vida só pode ser viva se ela for sempre questão. Caso contrário, ela corre o risco de ser atordoada como uma forma de crendice burra. Como o que entendemos hoje por realidade, nossa realidade fabricada pela fórmula maldita, impostora da liberdade, que inventa um mundo que pode ser explicado, seja pelos cálculos, seja pelo tosco deus inatingível.

Voltando à parede ou a qualquer outra coisa que apareça para nós como matéria, inclusive o ser humano, é conveniente ressaltar que não estou comparando a força da interação humana com a de qualquer outro objeto "inanimado" de nossas vidas, mas estou, com isso, evidenciando que há diversas formas de interação e que o fato de eu gostar de meus óculos não o faz menor do que eu. Configuramos uma relação. E eu não penso que há quaisquer relações mortas, dado o universo simbólico em que essas perspectivas relacionais estão imersas.
Isso. Talvez sobre todas as coisas haja um espírito que as torna existentes e, portanto, sujeitos de nossos diálogos, tenham ou não sangue. Quando não sujeitos da mesma forma que nós, humanos, somos, ao menos intermediários de diálogos com nós próprios. Não é porque não temos respostas ou estímulos da parede que ela não possa se mostrar, num instante até rápido - aqui não estamos mais no cronológico -, com uma natureza muito grandiosa para nossa condição. A ciência dirá o oposto. A religião que não brota de dentro também.

Só se vê se outsider.

Bem, não adianta dizer mais... Foi preciso um passo em meu processo de desvinculação da construção sólida de minha individualidade para que a vivacidade de uma pedra acontecesse tão claramente aos meus olhos.
Provavelmente, esse é um dos maiores desafios dos espíritos pensantes: buscar o espírito do mundo, a coisa-sem-nome que é mais fundamental e universal, que não se submete a nenhuma explicação que não necessite fazer uso de metáforas e poesia para ter uma ínfima parte de si compreendida.
Só um texto não basta. Só uma vida não basta para tanta perplexidade e espanto tão pouco sistemático e distante do racionalizável, longe demais do que pode ser registrado num blog como esse.

Só agradeço, de coração, às meninas.

2 comentários:

Anônimo disse...

a falta do "o" é falta legítima, presença silenciosa, desprezo concedido,ou erro?
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william. manuel ri de você.
a beleza faz cócegas.

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Viviane Goncalves disse...

É Will, este seria um assunto de uma vida toda... Tudo tem vida, tudo em todos e todos em tudo ao mesmo tempo, lembra-se dos princípios da filosofia hermética?Pois é principio disso daquilo, hoje em dia eu faço umas ligações absurdas com o conteúdo que naquela época tinha em mãos, mas que somente neste instante estou descobrindo o significado do contexto em si para mim no mundo.
Sobre a parede, não tocamos a parede ela nos toca....
Beijos!